Por Isabela S C Alves, assistente de comunicação da Casa Sueli Carneiro
Gilvaneide da Souza Santos, ou Gil, como carinhosamente é chamada, construiu seu mini dicionário negro a partir de uma angústia. Ao realizar o mestrado em Teoria da Literatura e Literatura Comparada UFMG, em 2013, pesquisando sobre o processo de embranquecimento brasileiro, percebeu o que chama de “sequestro teórico” na sua formação, uma vez que d não teve contato com a bibliografia de militantes negras brasileiras.
“A minha lacuna é justamente essa, como nós podemos ir ao encontro de Sueli Carneiro, ela contribui com a cultura brasileira desde 1980. É um sequestro, uma desonestidade muito grande!”
A expectativa da pesquisadora, antes de ingressar na Residência, era ter um entendimento aprofundado desta tese durante o doutorado na UNICAMP, no entanto, a inquietação continuou e culminou no projeto contemplado pelo Programa, orientado por Ionara Lourenço, coordenadora de acervos da Casa, e mentora do eixo de documentação da residência.
No Programa, a residente viu a possibilidade de confrontar o pensamento de Casa Grande Senzala, de Gilberto Freyre, difundido no Brasil a partir da teoria da democracia racial e ainda utilizado nas universidades. Gil entende que a Casa Sueli Carneiro é uma instituição que contribui para esse confronto, e apontou que sua pesquisa tinha como desafio também fazer parte deste movimento de empretecimento do pensar brasileiro.
“Eu me senti muito desafiada, a primeira vez que fui à Casa Sueli Carneiro, que tivemos uma imersão, o que significa esse espaço ancestral, eu me senti num desafio: tenho que contribuir para manter esse legado vivo”.
O processo de pesquisa foi tecido por Gil com mentoria de Ionara que se tornou uma peça central para a compreensão do legado e da trajetória de Sueli Carneiro, a partir das obras do Acervo Sueli Carneiro, que eram continuamente visitadas pela pesquisadora para a elaboração dos verbetes.
Gil conta como foi esse processo: “para formular o verbete Feminismo Enegrecido, precisei ler a segunda biografia de Sueli, Continuo Preta, de Bianca Santana, porque é lá que se encontra esse termo”. A cada verbete pensado, a Ionara Lourenço indicava o livro, o documento que pudesse contribuir para a construção. O minidicionário conta com 15 verbetes, e um espaço dedicado para a elaboração de mais verbetes por parte da leitora ou do leitor, instigando a pesquisa sobre pensamento negro.
“Uma das falas mais marcantes que eu ouvi durante a Residência foi a fala de Sueli Carneiro, que diz que quando escutou a Lélia Gonzalez pela primeira vez, entendeu o que queria ser dentro do movimento negro. A Sueli Carneiro fazendo referência do que a Lélia Gonzalez significou para ela, também marca a gente enquanto continuidade. Eu, humildemente, sinto a continuidade desse legado.”
Além da potência de acessibilidade do legado e memória de Sueli Carneiro a partir do minidicionário, o projeto de Gil tem um papel importante para a contemplação da Lei 10.639, que torna obrigatória o ensino de história africana e afro-brasileira nas escolas públicas, lei que surgiu da incidência política do movimento negro organizado.
Gil também aponta a programação da Casa Sueli Carneiro como um espaço que ajudou a elaborar o projeto. Durante o Programa de Residência, a Casa recebeu a Ocupação Rodas Culturais – Memória Negra, em parceria com a Secretária Municipal de Cultura de São Paulo, costurando diálogos com pensadoras, pensadores, militantes, intelectuais e artistas negros e negras. Os encontros estão disponíveis no youtube da Casa, de forma gratuita!
Agora, o minidicionário está em processo de publicação, e Gil segue costurando horizontes de pesquisa sobre organizações de memória negra que cultivam o legado das militantes negras brasileiras, como a Casa Escrevivências, de Conceição Evaristo.